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Dia da Meteorologia. O que é verdade e mito nos provérbios populares sobre o clima

Celebrou-se este sábado o Dia da Meteorologia. Folheámos o Borda d'Água em busca de provérbios populares sobre o clima. E perguntámos aos especialistas quais são verdadeiros e quais são mitos.

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Até parecia que o céu se tinha aperaltado para a festa. Este sábado foi o Dia da Meteorologia e o fim de semana trouxe temperaturas dignas da primavera ao continente português — nos Açores, nosso avesso meteorológico do costume, choveu e até houve aviso amarelo para precipitação. A celebrar 69 anos de existência, o Dia da Meteorologia nasceu precisamente onze anos depois da criação da Organização Meteorológica Mundial da ONU. Uma história de vida bonita, sim, senhora. Mas será que sempre foi pautada pela verdade?

Ainda antes dos satélites, dos balões ou dos termómetros, antes de qualquer invenção tecnológica moderna que nos permite hoje saber o tempo daqui a longos dias, a previsão meteorológica já se fazia com outros cinco instrumentos: os cinco sentidos. E os meteorologistas eram o povo, que para organizar o trabalho no campo ou no mar, tentavam perceber as ações e reações de que a natureza era feita.

Foi daqui que, aprimorados por centenas de anos de conhecimento no terreno, a sabedoria popular criou os provérbios. Pequenas frases, muitas delas com rimas, que resumem em poucas palavras o grande e complexo funcionamento das coisas. Mas será que os instrumentos modernos que a ciência nos deu atestam mesmo a validade desses ensinamentos?

Perguntámos aos especialistas, desde enólogos a climatologistas, o que é verdade e o que é mentira nos provérbios populares sobre o tempo. Descubra o veredito aqui em baixo.

Em fevereiro chuva, em agosto uva

Verdadeiro

É a primeira prova de que “muitos desses provérbios antigos acabam por ter sempre algo que os sustenta”. Quem o explica é Diogo Lopes, enólogo da AdegaMãe. Em entrevista ao Observador, o especialista explica que, se houver chuva em fevereiro, os solos podem enriquecer-se de sais minerais — um dos ingredientes mais importantes para que uma planta se possa desenvolver. Por norma, se chover entre janeiro e março, a natureza está a dar um empurrão na qualidade da uva na altura da vindima.  Tem tudo a ver com o ciclo vegetativo da videira.

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Entre janeiro e março, a vinha está no processo de dormência, uma espécie de hibernação em que, para se proteger das baixas temperaturas, as folhas secam. Isso acontece por causa de umas estruturas na epiderme das folhas que se chamam estomas, responsáveis por controlar a quantidade de luz e de água que entra ou sai da planta. No inverno, esses estomas fecham e passam a funcionar como uma defesa natural contra o excesso de chuva e de frio.

Só com a chegada da primavera, quando as temperaturas do ar começam a aumentar, é que voltam a abrir. “Por isso, chovendo de uma forma relativamente abundante em fevereiro, garante-se a reposição dos lençóis freáticos que as raízes podem usar para ter acesso a água em épocas mais secas. E, assim, os solos têm um teor mineral alto o suficiente para o ciclo vegetativo da planta”, concluiu Diogo Lopes.

Só com a chegada da primavera, quando as temperaturas do ar começam a aumentar, é que voltam a abrir. "Por isso, chovendo de uma forma relativamente abundante em fevereiro, garante-se a reposição dos lençóis freáticos que as raízes podem usar para ter acesso a água em épocas mais secas. E, assim, os solos têm um teor mineral alto o suficiente para o ciclo vegetativo da planta", concluiu Diogo Lopes.

Segundo o enólogo, durante essa fase de dormência, “pode chover à vontade”. Mas tão ou mais importante que a quantidade de chuva é a quantidade de luz que a planta recebe, já que essa a fonte de energia das videiras e da maioria das espécies vegetais. Portanto, tem de chover. Mas também tem de haver luz. Só que, normalmente, se há uma dessas coisas não existe a outra. “Tudo tem de entrar num equilíbrio muito preciso para que a uva colhida na vindima se transforme num vinho de qualidade”, confirma o enólogo.

“Se chover demasiado, sobretudo se acontecer na fase da floração da videira, que é quando ela se reproduz, corremos o risco de as uvas incharem muito depressa e rebentarem”. Mais: se isso acontecer durante a floração, os cachos não se formam e assistimos a um fenómenos chamado desavinho. Mas “se estiver demasiado calor, os cachos e as folhas ficam queimados”, estragando a uva à conta de um escaldão. Este último caso foi aquele a que se assistiu no país no ano passado quando, a meio de agosto, houve três dias seguidos de calor intenso.

Lisboa, Alentejo e Douro. Como o ano “atípico” influenciou as vindimas

Estas condições são importantes em qualquer região vinícola em Portugal mas o “equilíbrio” de que nos fala Diogo Lopes é mais difícil de manter em zonas mais secas, como o Douro Superior ou o Alentejo, onde os produtores estão mais dependentes da rega por chover menos lá. As outras zonas estão mais expostas ao ar Atlântico e, portanto, são mais húmidas, não precisando de tanta precipitação para que a planta tenha acesso a água e sais minerais.

Então, como seria um ano perfeito para a qualidade do vinho? Diogo Lopes descreve-nos passo a passo: “É preciso um inverno com boa precipitação entre janeiro e março, quando a planta está na fase de dormência. Quando o ciclo vegetativo da videira recomeça, se chover uma vez por semana até meio de abril não há problema nenhum”. Depois entra-se na fase mais complexa, que é a da formação dos cachos, que antecedem a floração.

Nessa altura, “já queremos menos água a cair e mais calor”, explica o enólogo: “O melhor são as temperaturas amenas porque ajudam a controlar as pragas. É nesta alturas críticas que fazemos os tratamentos nas vinhas, por isso se chover temos de repeti-lo desde o início. A partir de junho até quatro semanas antes da vindima, só podem chover pequenas quantidades de água. E a temperatura tem de ser amena para ajudar a fase de desenvolvimento da videira sem riscos de doença”, termina.

Em abril, águas mil

Verdadeiro

Não é apenas uma crença popular. Há uma explicação científica que sustenta porque é que, no início da primavera, chove tanto. Quem a explica é o bioquímico António Piedade no blogue “De Rerum Natura”, uma página dedicado à divulgação científica criada, por exemplo, pelo físico Carlos Fiolhais, pelo matemático Jorge Buescu e pela bióloga Sofia Araújo. O segredo, adianta o cientista, está escondido na “geringonça cíclica” da água, que “faz mover informação e energia no nosso planeta”.

O ciclo da água tem três fases, recorda a Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL). A primeira chama-se evaporação e, tal como o nome indica, passa-se quando a água depositada nos mares, nos oceanos, nos rios ou nos lagos evapora em direção à atmosfera. Enquanto isso acontece, dá-se outro fenómeno parecido: a transpiração, quando a água presente nas plantas e na terra também evapora e chega à atmosfera. Quando toda essa água evapora ou transpira para o ar, ela condensa e forma nuvens. É a segunda fase: condensação. A seguir, as nuvens viajam e dá-se a terceira fase: a precipitação, que ocorre quando chove, cai neve ou granizo.

Ora, diz a sabedoria do povo que, no meio de todo este ciclo, chove mais em abril do que nos outros meses da primavera — pelo menos mais do que seria expectável para uma época tão amenas. É de tal modo uma crença generalizada que até atravessa fronteiras e existe noutros países, conta António Piedade: em França há a expressão “les giboulées de Mars”; no Reino Unido diz-se “April showers”; e na Noruega “April bygger”.

E há mesmo uma explicação para esse fenómeno: “O fenómeno meteorológico que alimenta o provérbio assenta no aumento do período de luminosidade solar incidente de forma progressivamente mais perpendicular a partir do equinócio da primavera no hemisfério norte. Isto provoca um aumento progressivo da temperatura do solo, o que causa evaporação da água retida e presente nos interstícios da terra. Mesmo que essa água seja pouca devido a outonos e invernos menos chuvosos”, descreve o bioquímico.

E há mesmo uma explicação para esse fenómeno: "O fenómeno meteorológico que alimenta o provérbio assenta no aumento do período de luminosidade solar incidente de forma progressivamente mais perpendicular a partir do equinócio da primavera no hemisfério norte. Isto provoca um aumento progressivo da temperatura do solo, o que causa evaporação da água retida e presente nos interstícios da terra. Mesmo que essa água seja pouca devido a outonos e invernos menos chuvosos", descreve o bioquímico.

Segundo ele, as correntes de ar quente e os vapores de água têm tendência a subir por serem menos densos. Isso aumenta a humidade relativa do ar, assim como a temperatura média do ar, o que provoca “maior quantidade de água passa e fica na atmosfera, prenúncio de nuvens e certezas pluviais”: “Este movimento, por convecção de ar quente e água, provoca fenómenos meteorológicos súbitos que nos estragam os passeios primaveris, mas que redistribuem a água preciosa, minorando os efeitos de secas nefastas para a maltratada agricultura”, explica António Piedade.

Portanto, é normal que no início da primavera haja mais precipitação do que no resto da estação. Mas será que abril é especialmente mais chuvoso que março, maio ou junho? Os dados são poucos para tirar conclusões, mas um olhar pelas tabelas de pluviosidade nos meses primaveris entre 1981 e 2018 — com exceção de 2013 e 2014 porque para esses anos não há informações publicadas — mostra que em abril há mesmo “águas mil”.

Os números do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos sugerem que, em 35 anos em análise, foi em 15 deles que mês de abril foi o mais chuvoso da primavera em Portugal Continental. Depois vem maio, o mais chuvoso em 11 dos anos, e a seguir março, no primeiro lugar em nove dos anos.

Além de levar a melhor na quantidade de anos em que foi o mês da primavera mais chuvoso, abril também ganha na quantidade de água. Somando todos os valores de precipitação mensal registados entre 1981 e 2018, percebe-se que o mês 4 tem um total de 2.196,7 milímetros de chuva — ou seja, 2.196,7 litros por metro quadrado. Abaixo está maio, a seguir março e, no fim, junho.

Mais de metade do continente português está em seca moderada e 5% em seca severa

De Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos

Verdadeiro

De acordo com Jorge Castanheira, professor no Departamento de Física da Universidade de Aveiro e especialista em circulação da atmosfera, diz-se que os ventos de Espanha que chegam a Portugal não são bons por serem demasiado frios no inverno e demasiado quentes no verão. Tudo por causa de um fenómeno chamado “efeito de transporte das propriedades” que os cientistas resumem para, simplesmente, advecção.

A advecção acontece quando uma massa de ar transporta para um sítio determinadas propriedades — como a temperatura ou a humidade, no caso da meteorologista — vindas de outro lugar. É isso que acontece com os ventos de Espanha: “Como, em Portugal, estamos junto ao mar temos um clima ameno. O nosso vento é predominantemente de norte ou noroeste. Só que o vento que vem de Espanha é mais continental e, dentro do continente, as amplitudes térmicas são maiores”, descreve o professor.

A advecção acontece quando uma massa de ar transporta para um sítio determinadas propriedades -- como a temperatura ou a humidade, no caso da meteorologista -- vindas de outro lugar. É isso que acontece com os ventos de Espanha: "Como, em Portugal, estamos junto ao mar temos um clima ameno. O nosso vento é predominantemente de norte ou noroeste. Só que o vento que vem de Espanha é mais continental e, dentro do continente, as amplitudes térmicas são maiores", descreve o professor.

No interior dos continentes, inclusivamente da Europa, o ar atmosférico não é afetado pelas brisas marítimas: aquece quando é atravessado pelos raios solares e arrefece quando eles falham. É por isso que faz muito mais frio em Madrid do que em Lisboa no inverno, mas faz muito mais calor lá do que em Portugal no verão. A consequência? “No inverno, chega-nos de Espanha um vento demasiado frio. E, no verão, um vento demasiado quente. Em ambos os casos são muito secos, porque não há humidade a chegar do mar, o que torna as temperaturas menos suportáveis”, conclui Jorge Castanheira.

A segunda parte, a dos casamentos, nada tem a ver com ciência, mas antes com História. Dizemos que Espanha não traz “bons casamentos” a Portugal porque, na época da monarquia, essas uniões resultaram várias vezes na perda da independência dos portugueses. Exemplo disso é a crise de sucessão de 1580, quando D. Sebastião desapareceu na Batalha de Alcácer Quibir sem deixar descendência ao trono.

Havia seis candidatos ao trono, um dos quais Filipe II de Espanha. Era o quarto na linha de sucessão, mas acabou por assumir o trono de Portugal em 1581, conquistando o título de “Rei da Espanha, Portugal, Nápoles, Sicília, Algarves e Sardenha” e criando a União Ibérica. Nascia, assim, a União Ibérica e Portugal ficou nas mãos de três reis espanhóis — a Dinastia Filipina — durante 59 anos. Só a 1 de dezembro de 1640 é que Portugal recuperou a independência a Espanha. Ainda hoje o dia da Restauração da Independência é feriado no país.

Tarde vermelha e manhã cinzenta, não esperes chuva nem tormenta

Verdadeiro

É um dos provérbios populares portugueses que têm irmãos noutras línguas. Os ingleses, por exemplo, dizem “Red sky at night, sailor’s delight” ou, em tradução direta, “Céu vermelho à noite faz as delícias dos marinheiros”. As duas frases têm o mesmo sentido: se, ao por do sol, o céu junto ao horizonte estiver em tons avermelhados, então o dia seguinte será de bom tempo. É uma crença antiga baseada meramente na observação, mas pode haver uma justificação na ciência para esse fenómeno.

Antes de entendermos porque é que o por do sol é vermelho, há que entender primeiro porque é que o céu é azul. Em entrevista ao Observador por altura do último eclipse lunar visível em Portugal, Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, explicou: “Os raios de luz que entram na atmosfera são compostas por todas as cores, desde o violeta até ao vermelho. Acontece que a atmosfera desvia de maneira diferente a direção desses raios. E os raios azulados são aqueles que são dispersos em todas as direções. Por isso é que o céu é azul”.

Ora, se os raios mais azuis são aqueles que ficam dentro da atmosfera, os raios mais avermelhados são os que seguem em frente: “Quanto mais vermelha é a luz, mais em frente ela vai porque menos dispersa é. E quanto mais azul for a luz, mais dispersa é e menos vai em frente”.

Isto por causa de uma fenómeno da física chamado Dispersão de Rayleigh. Segundo essa lei, “a eficiência da dispersão varia com o inverso do comprimento de onda à quarta”, acrescenta o astrónomo. “Quanto maior o comprimento de onda, menor é este efeito de desvio. Ora, os comprimentos de onda maiores são os vermelhos por isso eles são os menos desviados e seguem na mesma trajetória. Os azuis são os que têm menos comprimento de onda, por isso são mais desviados”, finaliza Rui Agostinho.

Acontece que, à medida que o Sol desce no horizonte, os raios solares são obrigados a perfurar uma distância maior atmosfera dentro até chegar à superfície terrestre. Isso tem uma consequência: percorrer uma distância maior dentro da atmosfera significa que a luz vai encontrar pelo caminho mais moléculas para dispersar a luz violeta e azul. Por isso, quando chega até nós, toda a dose azul da luz solar já fugiu para longe dos nossos olhos. Só resistem os raios com comprimento de onda maior, que são menos espalhadas. Ou seja: o amarelo, o laranja e o vermelho.

Mas todo este mergulho no mundo da física não consegue explicar porque é que o povo associou um por do sol mais vermelho à previsão de um dia soalheiro. A resposta, essa, é dada por Joe Sienkiewicz, um dos responsáveis na Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (o IPMA norte-americano), à Scientific American.

Segundo o cientista, o primeiro motivo para que haja “validade científica” neste provérbio popular é a rotação da própria Terra. O Sol nasce a este e põe-se a oeste, enquanto os sistemas meteorológicos — as condições que determinam o estado do tempo — viajam do ocidente para o oriente nas latitudes médias. “Se o Sol se estiver a por à medida que um sistema meteorológico sai e uma alta pressão atmosférica começa a criar-se, então as nuvens que se vão embora serão iluminadas”, descreve Joe Sienkiewicz.

Segundo o cientista, o primeiro motivo para que haja "validade científica" neste provérbio popular é a rotação da própria Terra. O Sol nasce a este e põe-se a oeste, enquanto os sistemas meteorológicos -- as condições que determinam o estado do tempo -- viajam do ocidente para o oriente nas latitudes médias. "Se o Sol se estiver a por à medida que um sistema meteorológico sai e uma alta pressão atmosférica começa a criar-se, então as nuvens que se vão embora serão iluminadas", descreve Joe Sienkiewicz.

As altas pressões atmosféricas, como o anticiclone dos Açores, são associadas ao bom tempo porque trazem céu limpo e temperaturas mais altas. Por isso, se as nuvens que estão de partida ficam vermelhas graças ao fenómeno da Dispersão de Rayleigh, “cria-se um céu vermelho ao anoitecer com bom tempo na previsão”.

Mas há mais. Segundo o climatologista, as cores avermelhadas do céu em vésperas de bom tempo também resultam da dispersão da luz solar por haver mais partículas suspensas na atmosfera quando estamos debaixo dessas altas pressões atmosféricas. “Os raios solares passam através de uma maior extensão de atmosfera no por do Sol do que em qualquer outra hora do dia. E as concentrações de aerossóis e poeiras podem ser maximizadas nas camadas mais junto à superfície quando a atmosfera é dominada pelo ar que está a afundar”, conclui Joe Sienkiewicz.

Verão de São Martinho, lume, castanhas e vinho

Verdadeiro

Reza a lenda que Martinho era um soldado húngaro criado em Itália, temente a Deus, que havia lutado em França. Enquanto atravessava os Alpes de regresso a casa encontrou um homem cheio de frio à chuva e com fome. Martinho não tinha comida para lhe dar, mas tinha um manto vermelho às costas e uma espada. Decidiu, então, rasgar o manto ao meio e cobriu o homem para o aquecer. Como que para agraciar o soldado, Deus esqueceu que era outono, as nuvens desapareceram e o Sol voltou a brilhar. Durante três dias, houve tempo estival no meio do frio.

Que Martinho existiu é mesmo verdade. Martinho de Tours nasceu no século I na atual Hungria, mas foi criado em Itália por uma família pagã. Depois converteu-se ao Cristianismo e fundou o mosteiro mais antigo da Europa, localizado numa comuna francesa chamada Ligugé. Viveu em função dos outros, pregando os ensinamentos bíblicos e servindo aos mais desfavorecidos na qualidade de bispo de Tours. Morreu a 11 de novembro, o dia em que se celebra hoje em dia o Dia de S. Martinho. E foi enterrado ao fim de três dias.

A lenda parece entrançar-se com a verdade histórica, mas será que a ciência também se aplica ao Verão de São Martinho? Há alguma fundamentação para que em novembro haja três a quatro dias de temperaturas amenas — mesmo que não cheguem precisamente a 11 de novembro. Em 2015, Ilda Novo, do Instituto Português do Mar e Atmosfera, contava ao Observador que sim: o Verão de São Martinho — sim, ele existe mesmo — é o resultado a atmosfera está a ajustar-se à nova estação do ano. A “reequilibrar-se”, afirmou.

Segundo a meteorologista, o Verão de São Martinho corresponde a um intervalo de “flutuação meteorológica” entre duas estações. Há o verão, vem o equinócio de outono e depois o hemisfério norte começa a preparar-se para o inverno. Ora, a atmosfera movimenta-se em função da energia solar que absorve e que depende da estação do ano. Durante o verão, a ela absorve mais energia solar do que aquela que perde. Mas durante o inverno passa a acontecer o contrário.

Segundo a meteorologista, o Verão de São Martinho corresponde a um intervalo de "flutuação meteorológica" entre duas estações. Há o verão, vem o equinócio de outono e depois o hemisfério norte começa a preparar-se para o inverno. Ora, a atmosfera movimenta-se em função da energia solar que absorve e que depende da estação do ano. Durante o verão, a ela absorve mais energia solar do que aquela que perde. Mas durante o inverno passa a acontecer o contrário.

Entre um e outro momento, a atmosfera da Terra ajusta-se para garantir um equilíbrio energético e então podemos assistir a fenómenos atípicos para a época como este. Às vezes, outros eventos como anticiclones e as zonas depressionárias também testemunham esse reequilíbrio, que garante o balanço energético da atmosfera. A consequência é o movimento de massas de ar.

Em Portugal, como o anticiclone dos Açores ainda mantém a mesma posição que no verão e se assiste a um transporte de ar quente vindo do norte de África, recebemos o verão de São Martinho entre o final de outubro e meados de novembro. No entanto, isto não acontece todos os anos. O tempo seco do verão de São Martinho pode falhar por vezes, dependendo de outros fatores como a temperatura dos mares e dos oceanos.

A história do São Martinho: castanhas porquê?

Dezembro frio, calor no estio

Esticado

Este é um dos provérbios populares mais antigos da língua, mas é dos que mais dúvidas levantam sobre até que ponto pode ser considerado completamente válido. Em primeiro lugar porque não há dados suficientemente antigos para fazer uma análise da evolução das temperaturas e compará-las. E em segundo lugar porque quando o ditado foi criado ainda não estávamos perante o flagelo do aquecimento global.

Dizer que um “dezembro frio” traz sempre “calor no estio” é impossível. Os dados publicados pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera permitem encontrar casos em que isso é mesmo verdade e outros em que não acontece. Há até alturas em que um verão extremamente quente veio antecipado de um dezembro… extremamente quente, também.

Por isso, vamos por partes.

Dizer que um "dezembro frio" traz sempre "calor no estio" é impossível. Os dados publicados pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera permitem encontrar casos em que isso é mesmo verdade e outros em que não acontece. Há até alturas em que um verão extremamente quente veio antecipado de um dezembro... extremamente quente, também.

Em dezembro de 2008, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera disse que o mês foi muito frio, com “valores médios da temperatura do ar inferiores ao normal”: as máximas foram 1,4ºC mais frias do que a média calculada entre 1971 e 2000; e as mínimas estiveram 1,7ºC abaixo do normal. Aliás, “em algumas estações do continente, o número de dias com temperatura mínima inferior a 0ºC, foi superior a 15 dias”, como aconteceu em Miranda do Douro, que esteve 19 dias seguidos com temperaturas negativas, Sabugal (18 dias), Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Carrazeda de Ansiães (16 dias).

Depois desse dezembro especialmente frio, o verão de 2009 foi realmente quente. O boletim meteorológico da estação dá conta de “valores médios da temperatura do ar” em 1,1ºC na temperatura máxima. Nas temperaturas mínimas e médias é que houve mais normalidade: foram mais altas que o expetável, sim, mas apenas em 0,1ºC e 0,5ºC respetivamente.

Neste caso confirma-se: um dezembro frio antecipou um verão quente.

Nesse ano, o mês de dezembro voltou a ser mais frio do que o normal, mas não muito: “Em Portugal Continental, caracterizou-se por valores da temperatura máxima, mínima e média do ar inferiores ao valor normal 1971-2000, com anomalias de -0.6ºC, -0.4ºC e -0.5ºC respetivamente”, diz o relatório do mês 12 de 2009.

Mas o verão seguinte, esse sim, foi “muito quente”, recorda o instituto meteorológico na avaliação sazonal. À época foi considerado o segundo verão com a temperatura máxima e média mais elevada desde 1931. “Neste verão ocorreram três ondas de calor, sendo que duas se verificaram em julho e uma em agosto. O número de dias com temperatura máxima igual ou superior a 35ºC foi elevado, registando-se, em locais do Alentejo, mais de 50 dias nestas condições”.

Neste caso fica-se no limbo: o verão foi muito quente, mas o mês de dezembro que o antecipou não foi muito frio.

No final de 2010, em dezembro, o IPMA faz poucas referências à temperatura desse mês. Escreve no boletim meteorológico que “os valores médios da temperatura média, máxima e mínima foram, em geral, inferiores aos respectivos valores normais”, mas o mais preocupante foi mesmo a “ocorrência de tempo severo”, com muita chuva e vento.

Assim como o dezembro de 2010 não foi especialmente frio, o verão de 2011 também não foi especialmente quente. Tudo por culpa do anticiclone dos Açores, que “apresentou flutuações significativas na sua localização e na sua intensidade contribuindo para uma variabilidade nas condições meteorológicas em resultado das massas de ar que foram afetando o continente”, descreve o IPMA num longo texto sobre esse verão.

Volta a confirmar-se o ditado: dezembro não foi frio e o verão não foi quente.

Depois veio dezembro de 2011, esse sim frio: “Destaca-se o valor médio da temperatura mínima, inferior ao valor normal em -1.45ºC”, diz o o boletim meteorológico. A última semana do mês, entre o Natal e o Ano Novo, parece ter sido a mais dura: “Verificaram-se valores de temperatura mínima inferior a 0ºC essencialmente nas regiões do interior e em particular no nordeste do território”, descreve o IPMA.

O verão seguinte é que não fez jus ao ditado. O instituto meteorológico descreveu o verão de 2012 como “normal”. As temperaturas registadas foi superiores ao normal, mas tão pouco que não mereceu atenção aos meteorologistas. E os dias foram tão calmos que, embora se tenham chegado a registar valores superiores a 40ºC, não houve nenhuma onda de calor.

É o primeiro caso claramente contra o provérbio: o dezembro foi frio, mas não houve calor no estio.

Outro caso curioso é o que se passa em dezembro de 2013 e no verão de 2014. Esse mês foi frio –a média da temperatura mínima foi inferior ao valor normal em 1,37ºC e a temperatura máxima roçou o expetável, embora ligeiramente superior. Por isso, diz a sabedoria popular que o verão devia ter sido quente. Mas não foi. O IPMA até diz que o valor da temperatura média registada no verão de 2014 foi o segundo mais baixo desde 1989.

Só no ano seguinte é que o provérbio popular volta a ganhar veracidade. Dezembro de 2014 foi um mês “muito frio e muito seco”: “O valor médio da temperatura média do ar, 8,58 °C, foi inferior ao valor normal em -1.39°C. Valores da temperatura média inferiores aos de dezembro de 2014 apenas ocorreram em 30% dos anos”, dizem as estatísticas do IPMA.

E tal como o povo previu, o verão seguinte foi “muito quente e muito seco”: “O verão 2015 foi o quinto mais quente desde 2000 e o nono mais quente desde 1931 com o valor da temperatura média 1,2 °C acima do valor médio (Figura 1). O valor médio da temperatura máxima do ar, 29,56 °C, foi muito superior ao normal com anomalia de + 1.94 °C, tendo sido o sexto valor mais alto desde 1931 e o quinto mais alto desde 2000”, pode ler-se no relatório.

Entre dezembro de 2015 e o verão de 2016, tudo sofre outra reviravolta. Esse verão foi muito quente, diz o boletim meteorológico: “O verão de 2016 em Portugal Continental foi caracterizado por valores da temperatura média do ar muito superiores ao valor normal e valores da quantidade de precipitação muito inferiores, classificando-se o verão como extremamente quente e seco”.

Algo tão extremo deve ter sido antecipado por um inverno muito rígido, não? Bem, na verdade não. O mês de dezembro de 2015 foi “seco e muito quente”, disse o IPMA: “Este mês foi o segundo mais quente desde 1931, registando uma temperatura média do ar de 11,8 °C, cerca de 1,8 °C acima do valor médio”.

Dezembro de 2018 foi o terceiro mais quente dos últimos 87 anos. Seca regressa a sul do Tejo

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