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Paulo Preto desapropriou mesma área 3 vezes por dobro do valor, diz perícia

Trecho sul do Rodoanel passa por cima da represa Billings, em São Bernardo do Campo, na Grande SP (24.fev.2015)  - Paulo Whitaker/Reuters
Trecho sul do Rodoanel passa por cima da represa Billings, em São Bernardo do Campo, na Grande SP (24.fev.2015) Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Aiuri Rebello*

Do UOL, em São Paulo

28/04/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Ex-diretor de estatal de rodovias paulistas foi condenado a prisão por corrupção e responde a diversos processos
  • Em um destes casos, Paulo Preto assinou três desapropriações de um mesmo terreno
  • Soma de áreas relacionadas a pagamentos é maior do que o terreno registrado
  • Nas três vezes, a Dersa pagou o dobro do valor

O ex-diretor de engenharia da Dersa (estatal que administra rodovias paulistas) Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi responsável pela desapropriação de uma mesma área três vezes durante obras do trecho sul do Rodoanel Mário Covas, na região metropolitana de São Paulo. Nas três vezes, a Dersa pagou pouco mais que o dobro do que a área valia. O prejuízo aos cofres públicos apurado neste caso é de pelo menos R$ 3,5 milhões em valores da época.

O caso é alvo de uma ação de improbidade administrativa no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) contra Souza, o ex-presidente da estatal na época, Thomaz de Aquino Nogueira Neto, e outros sete réus. No processo, suas defesas negam qualquer irregularidade (veja mais abaixo).

O UOL teve acesso a oito processos de improbidade administrativa que correm no TJ-SP contra Souza. O mais antigo deles é de 2014 e o mais novo, de fevereiro deste ano, em um total de quase 10.000 páginas de documentos. Além de estarem no TJ-SP, estes casos também são investigados na esfera eleitoral pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), na criminal pelas forças-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo e Curitiba.

Paulo Preto é apontado pela Lava Jato como operador de propinas do PSDB.

Pagamentos de R$ 5,5 milhões e prejuízo de R$ 3,5 milhões

Em 2007, em meio às desapropriações de áreas por onde passaria a obra do rodoanel, Souza e Neto, de acordo com o processo, autorizaram o pagamento de R$ 2 milhões por uma área de 162 mil metros quadrados -- um sobrepreço de R$ 1 milhão em relação ao valor apontado na avaliação da área.

No mesmo ano, a dupla autorizou a compra de mais 90 mil metros quadrados, supostamente um enclave no mesmo terreno. De acordo com a Dersa no processo de improbidade, a existência do enclave nunca foi demonstrada no processo de desapropriação. O valor desembolsado foi de R$ 1 milhão.

Dois anos depois, em 2009, Souza e Neto voltaram a desapropriar mais 161 mil metros quadrados do mesmo terreno, por R$ 2,2 milhões. O valor é novamente R$ 1 milhão acima do valor atribuído ao terreno pela própria Dersa.

Área comprada é maior que terreno registrado

Somadas, todas as áreas indenizadas pela Dersa chegam a 414 mil metros quadrados, mas a área total registrada em nome da empresa indenizada é de 324 mil metros quadrados. Fora isso, caso existisse, a área total desapropriada, de acordo com cálculos do valor do metro quadrado na região feitos pela área técnica da Dersa, valeria R$ 2,6 milhões -- menos da metade dos cerca de R$ 5,5 milhões pagos pela Dersa.

Considerando todas as transações o prejuízo apurado aos cofres públicos chega a R$ 3,5 milhões.

Procurados pela reportagem, por meio de seus advogados, tanto Souza quando Neto não responderam aos pedidos de entrevista. Os defensores também não retornaram o contato ou responderam aos questionamentos feitos.

No processo, suas defesas argumentam que existia na Dersa na época uma diretriz de evitar a paralisação das obras, o que poderia acontecer caso as desapropriações fossem parar na Justiça. Assim, eram oferecidas indenizações generosas para não haver judicialização das desapropriações.

De acordo com o Ministério Público, essa prática não é permitida, mesmo sob a justificativa de acelerar as obras e, caso sejam condenados, os réus deverão devolver os valores indevidos do próprio bolso.

Esquema do PSDB em SP desviou 97 milhões

Delações de executivos das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez investigadas a Justiça Eleitoral, no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e pelas forças-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo e Curitiba apontam que o esquema de corrupção para o caixa 2 do PSDB no governo de São Paulo chegou a pelo menos R$ 97 milhões em propinas ao longo de oito anos.

Paulo Preto está preso e condenado na Lava Jato

No início de abril, Paulo Preto assumiu ser dono de contas na Suíça por onde passaram R$ 137 milhões. Em 2017, já com seu nome implicado na Operação Lava Jato, o ex-diretor da Dersa transferiu o dinheiro que lá estava para um banco em outro paraíso fiscal, nas Bahamas, e desde então o paradeiro da fortuna é desconhecido. Ele responde a outros processos na Lava Jato.

Paulo Preto está preso e foi condenado duas vezes em março: uma a 145 anos de prisão, e na outra a 27 anos de prisão, pela Operação Lava Jato em São Paulo. Nos dois casos, por desvios na construção do Rodoanel. Paulo Preto foi o primeiro condenado neste caso, que possui dezenas de investigados em diversos inquéritos e processos diferentes.

O advogado de Paulo Preto, Alessandro Silvério, não retornou às tentativas de contato da reportagem por telefone e email.

O PSDB afirmou, por meio de nota do diretório estadual, que obras públicas "nunca foram usadas com a finalidade de angariar recursos para contribuições eleitorais". "O que se tem notícia - e já é objeto de investigação e de ações judiciais reparatórias - é da prática de cartel contra a administração pública, levada a efeito por empresas privadas, mediante eventual participação de agentes públicos sem nenhuma relação com o partido, que igualmente deverão responder por seus atos perante o Poder Judiciário."

O governo paulista, comandado atualmente pelo tucano João Doria, se manifestou por meio da Dersa. "A nova gestão da Dersa apoia toda e qualquer investigação e vai colaborar de forma integral com a Justiça para a elucidação de dúvidas em busca do interesse público". A estatal criou um canal para o envio de denúncias de práticas de corrupção, fraudes e atos ilícitos.

* (Colaboraram Flávio Costa e Wellington Ramalhoso, do UOL em São Paulo)