Por Carolina Holland, G1 MT


Um servidor da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), um pecuarista, um empresário e a dona de uma fazenda foram autuados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social por terem submetido trabalhadores a condições análogas às de escravos no ano passado, em Mato Grosso, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A lista com os nomes dos empregadores foi obtida pelo G1 por meio da Lei de Acesso à Informação.

Os processos administrativos em questão ainda estão andamento, informou o MTE. No total, 20 pessoas foram resgatadas em Cuiabá, São José do Rio Claro e Poconé nas fiscalizações.

Nos quatro casos, os funcionários relataram que não tinham acesso ao básico, como à água potável, e ficavam em locais sem as mínimas condições de higiene. Em três situações, os trabalhadores não tinham banheiros. As informações constam dos relatórios das fiscalizações feitas pela Superintendência do Trabalho em Mato Grosso (SRTE-MT).

SGL Locações
Em janeiro de 2016, nove trabalhadores contratados pela empresa SGL Locações foram encontrados sem acesso à água, com condições mínimas de higiene e sem dinheiro para voltar para casa - parte deles havia sido contratada no Nordeste. Eles faziam uma obra de rede de abastecimento de água e coleta de esgoto em Cuiabá. Com carteira assinada, eles estavam sem receber o salário de dezembro e sem a integralidade do 13º salário.

Conforme o relatório da SRTE-MT, parte deles já havia trabalhado para a mesma empresa no interior do estado, e viajaram para a capital mato-grossense na caçamba de um caminhão da empresa. O alojamento em que eles estavam, no bairro CPA I, era formado por quarto e banheiro.

Sem local adequado para comer, os trabalhadores faziam as refeições sentados no chão dos quartos ou em seus colchões. Os funcionários disseram ainda aos auditores fiscais que houve vezes em que a comida servida estava azeda. Eles tomavam água da torneira e, em algumas oportunidades, bebiam água gelada fornecida por vizinhos.

No total, foram registrados 14 autos de infração. O advogado Maurício de Moraes, que representou a SGL na questão, disse que não têm mais contato com os clientes dele e que a empresa fechou. O G1 não conseguiu localizar Carlos Guimarães Filho, sócio da empresa.

Vítimas de trabalho escravo, irmãos foram presos com armas em São José do Rio Claro — Foto: Assessoria/Polícia Civil de MT

Fazenda Meus Netos
Localizada em São José do Rio Claro, a 325 km de Cuiabá, a propriedade foi fiscalizada em maio de 2016, quando dois irmãos de 59 e 60 anos foram encontrados sem acesso à água potável e banheiros, e sem registro na carteira de trabalho. A suspeita é que os dois ficavam no local para garantir a manutenção da posse da terra, alvo de disputa com uma usina. Também há indícios de que trata-se de área de preservação ambiental.

Não há atividade produtiva regular na fazenda. Os funcionários foram mantidos no local por dois anos e faziam o preparo da terra para criação de gado, porteiras, aceiros nas divisas da área, limpeza de estradas, consertos de pontes e carregamento de carga.

Os trabalhadores ficaram, na maior parte do tempo em que permaneceram na fazenda, alojados em barracos de lona feitos com madeira retirada do mato, sem proteção lateral para impedir a entrada de animais. Também não havia camas, colchões, roupas de cama, armários individuais e nem material de primeiros socorros.

Na data do resgate, os dois funcionários foram presos pela Polícia Civil por porte ilegal de arma e crime ambiental, mas liberados dias depois. A prisão foi criticada no relatório de fiscalização. "De fato, não passam de humildes e idosos trabalhadores que, se portavam arma de fogo, era para suprir a omissão do empregador quanto ao fornecimento de alimentação e alojamento seguro, não sendo razoável e proporcional serem presos por este motivo”, diz trecho do documento.

A dona da fazenda, Maria de Lourdes Petrycoski, foi autuada por 12 irregularidades. O G1 tentou entrar em contato com a fazendeira por telefone, mas ela não atendeu.

Fazenda Rio Dourado
A propriedade rural de criação de gado bovino para corte em Poxoréu, a 259 km de Cuiabá, tem mais de mil animais em uma área de 1,6 mil hectares. A fazenda foi alvo de fiscalização em junho de 2016 e cinco homens foram resgatados em situação degradante de trabalho.

A SRTE-MT registrou 27 autos de infração na fazenda, entre eles falta de vasos sanitários e alojamento precário: os funcionários ficavam em barracos construídos por eles mesmos, cobertos com lona e palha, sem paredes, com chão de terra e péssimas condições de higiene, diz o relatório da Superintendência.

A água à qual os trabalhadores tinham acesso era de um ribeirão perto do alojamento e os trabalhadores estavam sem equipamentos de proteção individual, diz a SRTE-MT. Eles relataram aos auditores do trabalho que não eram registrados e que já haviam terminado a última tarefa repassada, mas que não tinham recebido qualquer pagamento.

Um deles disse ainda ter recebido adiantamento em dinheiro e que tinha uma dívida com o dono da propriedade. Conforme o relatório da inspeção, não havia local apropriado para os trabalhadores fazerem as refeições e nem local adequado para prepará-las. Os funcionários disseram ainda não ter recebido equipamentos de proteção individual adequados e nem materiais de primeiros socorros.

O dono é o tabelião aposentado e pecuarista, Hélio Cavalcanti Garcia, que é proprietário de outra fazenda na região. Ao G1, ele negou a existência de trabalho análogo ao escravo na propriedade e disse que a situação do flagrante foi 'armada' por um funcionário que estava devendo R$ 17 mil a ele. "Ele terminou um serviço com essa dívida. Mas ficou acertado que me pagaria depois. Confiei porque o conhecia. Só que, em vez de voltar para me pagar, ele chamou o Ministério do Trabalho e armou tudo", disse.

Segundo Hélio, os cinco trabalhadores não eram seus funcionários. Um deles era empreiteiro e, os outros quatro, subempreiteiros. Disse ainda que nenhum deles morava nos barracos. "Nunca tive trabalho escravo em minhas propriedades. Tenho fazenda há 40 anos, meus funcionários estão todos registrados", disse.

A SRTE alega que o pagamento aos funcionários era feito à medida que os serviços eram concluídos e que isso evidencia a contratação por produtividade, modalidade de contrato individual de trabalho, o que descartaria a alegação de contrato de empreita.

A defesa do pecuarista disse ao G1 que recorreu à Justiça do Trabalho para provar a inocência de seu cliente.

Trabalho análogo à escravidão no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães — Foto: SRTE/MT

Parque Nacional de Chapada dos Guimarães
Em julho do ano passado, o servidor da Sema-MT Carlos Alberto Lopes foi autuado por manter quatro funcionários em condições análogas às de escravos. Eles estavam trabalhando na construção de um barracão de 48 metros quadrados próximo ao rio Mutuca. Segundo o Instituto Chico Mendes, a área é de preservação ambiental e faz parte do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães.

Conforme o relatório da fiscalização, os trabalhadores dormiam ao relento em redes presas em árvores, cobertos com lona, sem colchões, e não tinha acesso a banheiros. Eles estavam sem registro na carteira de trabalho e teriam sido contratados em um bar na capital. Sem acesso a água potável, eles bebiam água do córrego, onde também faziam a higiene pessoal, diz o relatório.

A fiscalização resultou em 10 autos de infração. Conforme relato dos trabalhadores, o funcionário público chegou a usar um carro oficial da Sema para levar e buscar os funcionários, antes de eles começaram a dormir no local.

Conforme o relatório, o servidor ainda apresentou um suposto responsável pela contratação do quarteto e que seria responsável pelas irregularidades, mas isso não foi confirmado pela equipe de auditores fiscais.

Procurado, Carlos Lopes disse que não é o dono da área e que está se defendendo na Justiça do Trabalho sobre o assunto. Ele alegou que não houve trabalho análogo ao escravo no local e que a participação dele no caso foi de levar e buscar os funcionários. O servidor disse ainda que o proprietário é conhecido dele.

"O dono estava em viagem e eu tinha que levar os funcionários para fazer uma cerca lá. Eu estava levando e trazendo todos os dias mas, em função de uma viagem a trabalho, eu não pude trazê-los de volta e eles dormiram lá. Esse barracão eles estavam construindo para dormir lá. Foi quando teve a fiscalização", disse.

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